16.1.09

O Gol como Mecanismo Coletivo de Sublimação (Parte II)

Diante do alvoroço causado pelo gol, da imediata transformação da angústia em êxtase propiciada por ele, muitas pessoas têm se perguntado por que o futebol, um esporte com próposito tão fútil (passar uma bola por um retângulo vazado) é capaz de causar tanta comoção nos mais diversos cantos do Mundo, nas mais diversas classes sociais e econômicas, e de mover paixões tão ou mais profundas quanto os áureos períodos do Romantismo, levando o indivíduo a acreditar piamente em como o poder da coletividade é capaz de criar momentos e conceitos de beleza sublimes e arrebatadores, mas também, em não raras oportunidades, de o levar a arroubos estarrecedores de violência e morte.



Há tempos atrás, li um artigo de um estudioso inglês no suplemento Mais da Folha de S. Paulo que, infelizmente, perdi. Tratava da relação da prática do futebol e dos seus fundamentos, com as práticas e fundamentos das guerras. Basicamente estabelecia uma relação entre a formação das equipes e torcidas do football com os conceitos primordiais de identidade tribal.

Essa identidade, fundada na exclusão (muitas das tradicionais equipes européias e sul-americanas foram criadas sob égides aristocráticas ou de conotações racistas e etnocêntricas), se assemelhava à formas de organização dos grupos guerreiros defensores de tribos, extendendo-se, posteriormente, e de forma análoga, à complexidade dos exércitos e batalhões de formação nacionais.

A conformidade de batalha campal, onde dois teams opostos tentavam carregar um objeto até o outro lado do “território inimigo”, a utilização de cores e uniformes para associação, tal qual faziam os primeiros guerreiros, que se pintavam para ser imediata e honrosamente identificados com a sua tribo. E ainda, com a introdução de escudos, bandeiras, hinos, cânticos e gritos de guerra pelos clubes e torcidas, tudo remetendo à constituição revolucionária das nações européias, como se dera a séculos passados, são sinais de como essa ligação entre futebol e guerra é bem-sacada.



O cerne da questão aqui é que o homem moderno, cidadão, operário ou trabalhador dos escritórios, contribuinte de impostos, e sujeito às leis e imposições da sociedade, foi privado, para o bem desta, da manifestação de sua natureza irascível e beligerante. Na dita Sociedade Moderna e Iluminada (pré-Guerra Mundial) não caberia mais a brutalidade e selvageria das batalhas entre homens, do sofrimento e do derramamento de sangue de inocentes. Desta forma, toda a energia bélica inerente à índole masculina teve de ser represada e canalizada para algum outro meio menos hostil e danoso. E não houve outro mais propício à aceitação e difusão pelo homem comum do que o Esporte.


Ao mesmo tempo, no florescimento do futebol, em fins do séxulo XIX, legiões de trabalhadores das indústrias e minas de carvão inglesas, identificaram rapidamente nesta prática esportiva uma rara possibilidade de entretenimento, pois, naquela época, isso lhes era praticamente vedado. E para se praticá-lo pouco se exigia além de uma simples bola e um bom espaço aberto. À revelia da aristocracia, com seus clubes exclusivos, o esporte se difundiu por seu baixo custo, e por não exigir dos seus praticantes uma compleição física determinada e exuberante. Não era necessário ser muito alto, nem muito forte. Tampouco, o mais veloz. Bastava apenas a habilidade para driblar os adversários e alcançar a meta (Goal). E, guardadas as devidas proporções, assim é até os dias de hoje. O futebol é atividade democrática por excelência. E esta é uma das razões para a sua enorme popularidade nos quatros cantos da Terra.

(continua...)

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