3.2.09
Flores
Sem tempo para cuidarem de suas casas, para conversarem com quem está ali do lado: a mãe, o irmão, o vizinho. Contudo, este mesmo tempo é gasto em bate-papos virtuais com “amigos” que estão a centenas de quilômetros de distância...
Sem tempo para preparar um bom jantar, já que é preciso “baixar” uns MP3 para o iPod e aproveitar para ver as últimas fofocas sobre a Paris Hilton naquele canal de TV a cabo com programação 24 horas sobre celebridades...
Nessa “falta de tempo” crônica não há espaço possível para cuidar de nada, nem de ninguém. Se as pessoas têm filhos, gatos ou cães, “terceirizam” a tarefa dos cuidados a mães, avós, babás. Ou deixam filhos em creches, e animais sozinhos em casa. Trabalham para pagar a escolinha do filho, ou o banho semanal dos bichos no pet shop.
Das plantas então, nem se fala! “Que trabalheira” que é molhar as plantinhas de vez em quando. Reparar se precisam de luz, de adubo, de um pouco de ar... Não sabem o signficado da palavra poda, não tiveram a satisfação de perceber uma minúscula folha brotando do caule, ou um botão que lentamente se abre. O único perfume que conhecem e exaltam é o da podridão em frascos da aristocracia arrogante e perdulária. Não há o cuidar de algo ou de alguém. Só o culto à matéria, e o pior, à imagem da matéria... Não há troca, somente idolatria. Não há calor humano, apenas euforias ilusórias e descartáveis...
É esse o tipo de pessoa que contenta-se com um mero pedaço de plástico pintado e moldado. Para simular que naquele canto da sala, naquela casa, há alguma coisa que poderia, de repente, ser chamado de Vida. E que, na falta dela, serve para “complementar a decoração” no aparadorzinho da Tok&Stok, adquirido num fim de semana promocional, em seis vezes sem juros no cartão de crédito.
16.1.09
O Gol como Mecanismo Coletivo de Sublimação (Parte II)

Há tempos atrás, li um artigo de um estudioso inglês no suplemento Mais da Folha de S. Paulo que, infelizmente, perdi. Tratava da relação da prática do futebol e dos seus fundamentos, com as práticas e fundamentos das guerras. Basicamente estabelecia uma relação entre a formação das equipes e torcidas do football com os conceitos primordiais de identidade tribal.
Essa identidade, fundada na exclusão (muitas das tradicionais equipes européias e sul-americanas foram criadas sob égides aristocráticas ou de conotações racistas e etnocêntricas), se assemelhava à formas de organização dos grupos guerreiros defensores de tribos, extendendo-se, posteriormente, e de forma análoga, à complexidade dos exércitos e batalhões de formação nacionais.
A conformidade de batalha campal, onde dois teams opostos tentavam carregar um objeto até o outro lado do “território inimigo”, a utilização de cores e uniformes para associação, tal qual faziam os primeiros guerreiros, que se pintavam para ser imediata e honrosamente identificados com a sua tribo. E ainda, com a introdução de escudos, bandeiras, hinos, cânticos e gritos de guerra pelos clubes e torcidas, tudo remetendo à constituição revolucionária das nações européias, como se dera a séculos passados, são sinais de como essa ligação entre futebol e guerra é bem-sacada.
O cerne da questão aqui é que o homem moderno, cidadão, operário ou trabalhador dos escritórios, contribuinte de impostos, e sujeito às leis e imposições da sociedade, foi privado, para o bem desta, da manifestação de sua natureza irascível e beligerante. Na dita Sociedade Moderna e Iluminada (pré-Guerra Mundial) não caberia mais a brutalidade e selvageria das batalhas entre homens, do sofrimento e do derramamento de sangue de inocentes. Desta forma, toda a energia bélica inerente à índole masculina teve de ser represada e canalizada para algum outro meio menos hostil e danoso. E não houve outro mais propício à aceitação e difusão pelo homem comum do que o Esporte.
Ao mesmo tempo, no florescimento do futebol, em fins do séxulo XIX, legiões de trabalhadores das indústrias e minas de carvão inglesas, identificaram rapidamente nesta prática esportiva uma rara possibilidade de entretenimento, pois, naquela época, isso lhes era praticamente vedado. E para se praticá-lo pouco se exigia além de uma simples bola e um bom espaço aberto. À revelia da aristocracia, com seus clubes exclusivos, o esporte se difundiu por seu baixo custo, e por não exigir dos seus praticantes uma compleição física determinada e exuberante. Não era necessário ser muito alto, nem muito forte. Tampouco, o mais veloz. Bastava apenas a habilidade para driblar os adversários e alcançar a meta (Goal). E, guardadas as devidas proporções, assim é até os dias de hoje. O futebol é atividade democrática por excelência. E esta é uma das razões para a sua enorme popularidade nos quatros cantos da Terra.
(continua...)
16.12.08
Homo Perdidus
Acreditei que, descendo do ônibus, ali na N. S. do Carmo com Rua Montevidéu, o melhor a fazer seria seguir esta última, subir a Av. Uruguai até bem pertinho da Bandeirantes e ir margeando esta avenida até chegar na Joaquim Linhares. Só que esse trajeto fez com que eu quase dobrasse a distância que tinha a percorrer. Eu não precisava subir a Uruguai, mas sim atravessá-la. Se fizesse assim, cairia direto numa outra rua que daria acesso muito mais rápido e direto ao meu destino.
O ponto é que é impossível para mim, como para qualquer outro ser humano normal, saber de cór as ruas e trajetos de uma cidade grande como Belo Horizonte. A gente se orienta por alguns poucos pontos de referência, que ajudam a nos localizar e deslocar. Acontece que, mesmo assim, nos enganamos com uma facilidade absurda quanto à exata localização destas referências. Particularmente para nós, machos, esse tipo de falha causa profundo desgosto...
Já é da nossa tradição (e quando digo isso, me refiro à Idade da Pedra) que consigamos ter uma boa noção de localização, porque era o homem que sempre saía para arranjar comida para si e para a sua prole. Então, ele simplesmente tinha que saber isso para poder voltar pra casa (ou pra caverna, como queiram) e alimentar a sua fêmea e os seus filhos. Isso de mulher poder ir e vir de lá pra cá é coisa recente, talvez de uns 100 anos pra cá. Ou seja, pelos milhares de anos acumulados de “saída para a caça”, os machos têm, instintivamente, uma maior desenvoltura para deslocamentos.
Porém, me parece que a vida nas cidades está fazendo com que toda esta experiência embutida nos nossos cromossomos Y esteja regredindo. O emaranhado urbano se tornou tão complexo, com tantas regras e orientações (leia-se sinais e placas de trânsito), que a capacidade natural do homem parece estar se perdendo, pois ele “não precisa” mais desta capacidade para se orientar. "É só seguir as placas"...
Às mulheres (perdidas ou não) sempre lhes foi concedido o dom de saber usar a boca muito melhor do que os homens. Então, o que era desvantagem, hoje em dia, já está quase virando handicap feminino. Achincalhando a moral dos machos por ter chegado a um determinado local mais rapidamente, usando o recurso eficaz do “pára e pergunta”... Mas acho que isso seria nos submetermos à uma estratégia que não é a nossa. Ou seja, ao abandono de uma habilidade milenar, uma das poucas que temos mais desenvolvidas do que as de nossas incríveis parceiras. Então, sem chance!...
Outra coisa: para mim, essas paradas de GPS, Navegador, satélite e o caralho de asas turbinadas não funcionam. Homem que é homem não precisa desses “brinquedinhos” para sair de casa. Apesar de djovem, para certas coisas, eu sou um cara bem antiquado... É possível que sujeitos como eu estejam caminhando para a extinção. Em breve, viveremos num Mundo onde precisaremos, vou frisar, “precisaremos” de aparelhos eletrônicos e dos veneráveis recursos e táticas femininas para chegarmos a algum lugar. Talvez isso seja reflexo de uma nova era. Ou, em outras palavras: “Esse Mundo tá acabano mêss’!...”
25.3.08
Vida Nova
O que as pessoas querem dizer com “Feliz Páscoa”? Algo do tipo: "Vai lá e se esbaldeie de Bacalhaoada e cerveja!"? Ou seria, "Que você ganhe um ovo de páscoa bem grandão e se entupa de serotonina e gordura saturada!"?
Não conheço ninguém que não tenha aguardado o feriado como um simples dia para descansar ou para emendar no fim de semana e “pegar uma prainha”!... Me parece que todas as datas comemorativas (incluindo as santas) perderam completamente o seu objetivo inicial. Agora servem somente para aliviar a pressão do trabalho ou da escola.
Fico intrigado, e um pouco preocupado até, porque estas datas não foram instituídas por acaso. E se elas têm um significado, um simbolismo, é porque isso seria, teoricamente, importante de ser mantido e transmitido para todos. Mas agora, tudo parece tão distante! Que sentido vemos nestas comemorações nos dias de hoje? Como distinguir a importância de um dia, de um evento, de uma figura histórica, se simplesmente adotamos todos estes dias como meros e pasteurizados “feriados”? Quem não já se pegou perguntando em alguma oportunidade: “Mas o feriado é de quê mesmo?”
Fica a impressão que é apenas uma justificativa mal-ajambrada para a oportunidade de colocar em prática a histórica e endêmica preguiça nacional. É uma pena, pois é óbvio que um povo que não conhece e reconhece a sua história (ou mesmo o seu sistema de crenças) perde muito de sua identidade.
E é justamente isso o que percebo ao meu redor. Vejo hordas de bípedes endinheirados devorando toneladas e mais toneladas de chocolate, crianças que não fazem a mínima idéia de que coelhos não fazem ovos e de que renas não voam, gente que enche o bucho de bacalhau num determinado Domingo do ano e de picanha em todos os outros, irmãos de sangue que se matam em uma simples discussão, madrastas torturando enteadas... E eu, pasmo, constato: eu não pertenço a este mundo! Eu não sou assim! Por que sou obrigado a suportar isso? Por que as pessoas querem que eu seja igual a elas? Mentindo, tramando, invejando, cobiçando, odiando, desprezando, desvirtuando, magoando... e fingindo... Fingindo que está tudo bem, que as coisas são assim mesmo, que a felicidade é isso, que tudo vai dar certo no fim (ainda que se tenha que passar por cima de um ou de outro), fingindo que não sabem que não são ninguém, que não há por onde fugir, que tudo não passa de uma grande merda de uma ilusão!
"Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vindo do interior." Tenho 30 anos, muitos sonhos, poucas ambições e já me cansei dessa vida...
24.10.07
A Teoria dos Espelhos
Como é de praxe nesses lugares, era preciso gritarmos no ouvido um do outro para que pudéssemos trocar alguma idéia, alguma impressão sobre o que rolava por ali. Basicamente, sobre a música e as garotas do lugar. Rimos muito quando o Moisés me disse que "a loira" estava flertando com ele. E eu tive que desapontá-lo porque a azaração da loira era comigo. Mas enfim, como somos desgraçadamente tímidos, nenhum dos dois tomou qualquer iniciativa. E assim "a loira" foi embora lá pelas tantas, visivelmente desapontada, após dar vários foras nos outros caras que se arriscaram a dizer qualquer coisa em seu ouvido. Ela definitivamente queria um de nós dois...
Este duplo vacilo com a loira foi o contraponto divertido da noite ao peso das constatações que tivemos no observar a galera do local.
A empolgação era geral! Muitas e muitas cervejas e o DJ mandando ver em clássicos dos anos 80. Garotas e rapazes soltando corpo e voz, extravasando toda a tensão acumulada do "mundo lá fora", tentando esquecer por alguns instantes suas angústias, receios e problemas.
Mas o que eu vi, o que o Moco viu, não era bem isso. Ninguém se esquecia de nada! Cada rosto embriagado, cada corpo saltitante revelava, no fundo, uma tristeza e desapontamento rascantes. E quanto mais embriagado, quanto mais alto se cantava, quanto mais se desinibiam os passos, mais evidente era a melancolia daquelas pessoas.
Percebemos então, eu e o Moisés, que todos estavam ali para se encontrarem. Encontrarem, nem que fosse por poucos instantes, algo que pudesse libertá-los de toda a torturante dor que eram obrigados a carregar dentro de si. Uma dor acumulada, uma profusão de gritos, socos e gozos reprimidos pela "necessidade" de um bom convívio social. Como se fosse possível ali, num quase anonimato e num quase breu, tornarem-se, finalmente e paradoxalmente, eles próprios.
A evidência da melancolia se daria então no momento exato em que aquelas pessoas, na crescente excitação e êxtase propiciados pela embriaguez etílica e sonora, tinham o tão aguardado encontro com elas mesmas, quando poderiam, enfim, mostrar a todos o quanto eram seres "especiais" e merecedores de apreciação. Contudo, nada encontravam em si. Aquela explosão de existência prestes a acontecer convertia-se, instantaneamente, num passo para o vazio. Ninguém percebia coisa alguma de especial no outro. A não ser [para alguns poucos de clara visão] uma assombrosa constatação de que todos ali eram reflexos uns dos outros. Em cada brinde, em cada verso cantado junto, em cada passo desensaiado, a mesma busca e o mesmo desencanto. Os olhos de todos e de cada um eram como espelhos. Todos se viam refletidos. E todos eram tristes...
Assim constatei na minha sóbria observação. E é estranho pensar que pouca gente está preparada para essa "ousadia do encontro". Daí tem-se mais um paradoxo: é, ao mesmo tempo, uma busca e uma fuga. E que, prestando-se a devida atenção, tendem a convergir para um mesmíssimo ponto: a verdade.
A verdade de sempre. Aquela que, naturalmente, nos escapa e nos persegue...