24.10.07

A Teoria dos Espelhos

Esta teoria surgiu num lugar onde as pessoas dançavam. Por dez contos, reuniam-se em um porão quente e pouco iluminado, com potentes caixas de som e um bar, onde se adquiria boa cerveja. Naquela noite, entretanto, mantive-me sóbrio. Assim como o meu amigo Moisés que me acompanhava.

Como é de praxe nesses lugares, era preciso gritarmos no ouvido um do outro para que pudéssemos trocar alguma idéia, alguma impressão sobre o que rolava por ali. Basicamente, sobre a música e as garotas do lugar. Rimos muito quando o Moisés me disse que "a loira" estava flertando com ele. E eu tive que desapontá-lo porque a azaração da loira era comigo. Mas enfim, como somos desgraçadamente tímidos, nenhum dos dois tomou qualquer iniciativa. E assim "a loira" foi embora lá pelas tantas, visivelmente desapontada, após dar vários foras nos outros caras que se arriscaram a dizer qualquer coisa em seu ouvido. Ela definitivamente queria um de nós dois...

Este duplo vacilo com a loira foi o contraponto divertido da noite ao peso das constatações que tivemos no observar a galera do local.
A empolgação era geral! Muitas e muitas cervejas e o DJ mandando ver em clássicos dos anos 80. Garotas e rapazes soltando corpo e voz, extravasando toda a tensão acumulada do "mundo lá fora", tentando esquecer por alguns instantes suas angústias, receios e problemas.

Mas o que eu vi, o que o Moco viu, não era bem isso. Ninguém se esquecia de nada! Cada rosto embriagado, cada corpo saltitante revelava, no fundo, uma tristeza e desapontamento rascantes. E quanto mais embriagado, quanto mais alto se cantava, quanto mais se desinibiam os passos, mais evidente era a melancolia daquelas pessoas.

Percebemos então, eu e o Moisés, que todos estavam ali para se encontrarem. Encontrarem, nem que fosse por poucos instantes, algo que pudesse libertá-los de toda a torturante dor que eram obrigados a carregar dentro de si. Uma dor acumulada, uma profusão de gritos, socos e gozos reprimidos pela "necessidade" de um bom convívio social. Como se fosse possível ali, num quase anonimato e num quase breu, tornarem-se, finalmente e paradoxalmente, eles próprios.

A evidência da melancolia se daria então no momento exato em que aquelas pessoas, na crescente excitação e êxtase propiciados pela embriaguez etílica e sonora, tinham o tão aguardado encontro com elas mesmas, quando poderiam, enfim, mostrar a todos o quanto eram seres "especiais" e merecedores de apreciação. Contudo, nada encontravam em si. Aquela explosão de existência prestes a acontecer convertia-se, instantaneamente, num passo para o vazio. Ninguém percebia coisa alguma de especial no outro. A não ser [para alguns poucos de clara visão] uma assombrosa constatação de que todos ali eram reflexos uns dos outros. Em cada brinde, em cada verso cantado junto, em cada passo desensaiado, a mesma busca e o mesmo desencanto. Os olhos de todos e de cada um eram como espelhos. Todos se viam refletidos. E todos eram tristes...

Assim constatei na minha sóbria observação. E é estranho pensar que pouca gente está preparada para essa "ousadia do encontro". Daí tem-se mais um paradoxo: é, ao mesmo tempo, uma busca e uma fuga. E que, prestando-se a devida atenção, tendem a convergir para um mesmíssimo ponto: a verdade.
A verdade de sempre. Aquela que, naturalmente, nos escapa e nos persegue...