5.2.09

O Doutor e A Saideira

Houve uma noite no Lua Nova em que o Djovem Red encontrou um velho amigo seu que eu, imperdoavelmente, esqueci o nome. Abraços e apresentações e histórias e conversa jogada fora e muita cerveja: tudo como manda o figurino. Mas acontece que o Lua Nova fecha cedo, então, como não poderia deixar de ser, a noite teve de ser extendida em outro local.

Fomos pois, eu, o Doutor, o Djovem Red e o nosso amigo para o Paracone, ali na Av. Brasil. E tome cerveja! Depois forramos levemente o estômago. E mais cerveja e mais bate-papo. O Doutor empolgou-se com o nosso amigo, pois ele demonstrava ser um grande conhecedor de Chico. E ficamos, assim, a relembrar várias de suas canções madrugada adentro. E, como sempre acontece quando que se fala nele, o Doutor vem com aquela hipótese de que toda mulher teria obrigação moral de dar para o Chico, se ele assim o desejasse. E criou-se, pra variar, uma ligeira polêmica. Mas nada que alterasse o bom espírito de camaradagem daquela noite agradabilíisima.

Lá pelas tantas, partiu o nosso amigo, alegando que não poderia chegar muito tarde em casa, pois não tinha avisado à patroa (Detalhe é que eram mais de quatro da manhã a essa altura). Ficamos, por fim, a trinca ferranca: eu, Ed e Red.

Já devidamente etilizados, passamos então a agraciar os ouvidos dos presentes com um saboroso desfile de pérolas do nosso rico cancioneiro popular, pois a noite pedia por isso: Ronda, A Volta do Boêmio, Negue, Fica Comigo Esta Noite, Saudosa Maloca, Iracema, , As Mariposas, Conversa de Botequim, Palpite Infeliz, Último Desejo, As Rosas Não Falam, O Mundo é um Moinho, Preciso me Encontrar, Chega de Saudade, Eu Sei Que Vou Te Amar (com o Doutor declamando o Soneto da Fidelidade à maneira de Vínicius), Samba da Bênção, Canto de Ossanha, Berimbau, Carta ao Tom, Samba do Avião, e outras tantas que cantamos, não necessariamente nesta ordem.

Quando passava das cinco e meia da manhã, nos chega o garçom e avisa que não seriam mais servidas cervejas, nem quaisquer outras bebidas alcóolicas. “Como assim, não vão servir mais?”, retrucamos. “E a saideira?”, pedimos sorrindo. “Não tem saideira.” Respondeu secamente o garçom. Tomados de indignação, ainda tentamos por mais algumaz vezes argumentar que é inadmissível que não se sirva a saideira num estabelecimento que, conforme a placa informava, era 24 horas! Mas não houve recurso. A nossa última cerveja foi terminantemente recusada.

Passados uns vinte minutos, voltou outro garçom para recolher os copos. Primeiro o meu, depois o do Djovem Red. Ao tocar no copo do Doutor, este interrompeu bruscamente, segurando o braço do infeliz garçom com energia, e esbravejou: “Ninguém tira este copo daqui, enquanto não me trouxerem a saideira!”. Todos em redor se viraram para acompanhar e o pobre empregado se assustou de tal maneira que ficou por segundos sem ação e depois largou o copo sobre a mesa.

Fomos informados de que só seria novamente ofertadas bebidas depois das 9 da manhã (!!!). O Djovem Red, por fim, desistiu, dizendo que “estava colando o platinado” e foi-se para a sua casa, com o dia já quase clareando. Eu, por minha conta, não via tanta necessidade de uma saideira. Mas, para o Doutor, aquilo era ponto de honra. Fiquei mais para fazer companhia a ele e para manter a fama recém-adquirida de ser o mais resistente da turma.

Vimos então o dia despontando, os funcionários recolhendo as mesas e cadeiras para fazer a limpeza, as primeiras pessoas se encaminhando para o trabalho, os pássaros revoando, os primeiros circulares começando a rodar, enquanto continuávamos devassando o arquivo da MPB, já sem o mesmo ânimo de três horas atrás.

Às 7 horas e 20 minutos foi a minha vez de pedir licença. Com vontade resoluta, o meu amigo não arredou pé e me disse alguns impropérios quando me levantei para ir embora, mas que logo relevei a caminho de casa.

Permaneceu, desta maneira, o Doutor Edmundo aguardando pacientemente (ou não) a sua saideira, pitando o seu Carlton verde. Segundo me relatou posteriormente, foi-lhe servida uma última cerveja às 9 horas em ponto. Ao que, depois de degustá-la lenta e saborosamente, pagou a conta, agradeceu e partiu satisfeito para se recolher à sua residência naquela ensolarada manhã de Sábado

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